quarta-feira, 20 de abril de 2011

Ruas do Amanhã

Um conto por Gunar Seidler Bastos.

"Virão sobre esta cidade dias em que os seus inimigos lhe cercarão de trincheiras, lhe sitiarão e lhe farão cerco; destruirão a cidade e aos que vivem nela, e não deixarão pedra sobre pedra, porque seu povo não me reconheceu durante o tempo que andei no meio deles."

LONDRES! Não uma cidadezinha do interior, mas sim LONDRES fedia a corpos mortos!! Shaun observava atônito o cenário, era como se ele tivesse entrado em algum tipo de realidade alternativa, onde o céu era escarlate e tudo o que se conhecia estava destruído, ou caindo aos pedaços. As televisões sem sintonia faziam sentido agora, não haviam estações televisivas mais! A falta de pessoas no hospital se justificava! Dezenas de corpos de civis, médicos e militares estavam estendidos no chão, MORTOS! TODOS ELES!

Shaun se sente tomado pelo impulso do pânico, mas estranhamente não consegue ceder ao impulso. CASA! Sim, ele morava em Londres e ir para algum lugar seguro iria fazer ele se acalmar, pensar no que aconteceu, como foi parar ali, e porque tudo aquilo estava acontecendo. Ele caminha até um dos militares mortos e retira a arma automática da mão dele.

Havia uma constante em Londres, destruição. A mente de Shaun começava a se acostumar com aquilo e pensar em como sobreviver a caminhada que normalmente seria de 1 hora, mas com a quantidade de pessoas mortas e carros batidos bloqueando o caminho certamente se prolongaria. Ainda tinha aquilo que ele viu no hospital, aquele vulto, seja lá o que fosse.

'Pensando bem podia ser um padre' - Dizia Shaun consigo mesmo enquanto seguia seu caminho passando por cima de mais um carro que bloqueava seu caminho. Um ou dois quarteirões a frente ele entraria a direita e estaria a caminho de sua casa, ou o que restou dela. A motivação de chegar em casa logo animou Shaun e ele apressou o passo quase sem perceber, deslizado sobre carros como se fizesse isso desde criança, o último carro estava logo antes da esquina, o movimento foi impecável, mas a aterrissagem não.

Shaun levanta, tira o pó da roupa e se vê rodeado de corpos. O modo com que eles morreram era diferente do que ele tinha visto antes, ao contrário de corpos intactos esses estavam com pedaços faltando ou severamente machucados, ele seguiu com os olhos o rastro de destruição que causou aquelas mortes. A rua que ele pretendia andar estava bloqueada por um prédio, a parte dianteira de um avião havia atingido o prédio que acabou cedendo e caindo. Os corpos que estavam ali provavelmente eram das pessoas que estavam próximas na hora do acidente.

A hipótese de guerra começou a se tornar mais concreta para Shaun, havia militares nas ruas e agora aviões destruídos, com certeza Londres tinha se tornado o palco de uma grande batalha, mas faltava uma peça para essa teoria ser verdadeira. Shaun resolve ir até o prédio na esperança de conseguir ultrapassá-lo, contudo, ao chegar perto de uma das janelas, ele nota um objeto estranho, como se fosse um ovo, um casulo, mas branco. Olhando mais atentamente, Shaun notou um detalhe que o fez entrar correndo e tentar abrir o "ovo", A MÃO DE UMA PESSOA estava parcialmente visível!

Shaun tentava abrir desesperadamente o invólucro só para ver o "ovo" se fechar mais rapidamente, como se COMPENSANDO PELOS PEDAÇOS ARRANCADOS! Foi só então que percebeu um desenho na parede, o mesmo que viu na porta do depósito no hospital, olhando um pouco pro lado ele viu MAIS DE UMA DÚZIA desses casulos SÓ NAQUELA SALA!

Aquilo era um ESTOQUE! Aquilo era a MALDITA GELADEIRA do que fez isso com Londres! Era claro agora, LONDRES FOI ATACADA POR ALGO SOBRENATURAL! Por algo que NÃO DEVERIA EXISTIR! Era muito arriscado passar por dentro do prédio, melhor tentar dar a volta, ir por outra rua, tentar outro caminho, algo que não o fizesse passar perto daquele prédio!

Uma loja de armas estava no caminho, era em uma rua lateral mas ele se lembrava das propagandas, estava ali a menos de um mês, um coronhasso quebrou o vidro, tudo parecia meio podre e quebradiço na cidade, e finalmente Shaun pode pegar mais munição, colete e uma mochila pequena para materiais de sobrevivência e primeiros socorros. Cada segundo que se passava ele acreditava mais que ia precisar disso antes de chegar em casa. De repente, gritos histéricos e desesperados!

HAVIA MAIS UMA PESSOA VIVA NAQUELE MALDITO INFERNO! E pelo visto não por muito tempo. Renovado em esperanças, coragem, energia e muita munição Shaun corre ao encontro da voz que se tornava cada vez mais e mais desesperada. Quanto mais perto ele chegava, mais curtos e sem esperança os gritos se tornavam até que cessaram completamente. Não mais do que duas quadras a sua frente uma cena estranha tomava curso. Não animais selvagens, mas pequenos cachorros atacavam uma mulher que já estava sentada contra a parede, havia pelo menos cinco cães em cima dela, e pelo menos o dobro ao redor, como se esperando a vez de saborear o almoço.

Shaun estava paralisado! Essa era a cena mais grotesca que ele tinha visto até agora. O estômago embrulhou e ameaçou a devolver alguma coisa de cima do carro em que ele tinha parado, mas algo impediu isso de acontecer. Com uma determinação vinda do nada, ele saca a pistola e dispara um único tiro, certeiro, matando um dos cães sem acertar a moça. O somo do disparo ecoou pelas ruas vazias de Londres, fazendo com que os pássaros negros que por ali repousavam tomassem vôo. Os demais cães da matilha rosnavam e olhavam na direção de Shaun. Três deles avançaram pulando sobre carros como se fossem cães de caça. O primeiro foi baleado no meio do ar enquanto o segundo, que correu por baixo dos carros, mordeu a pistola, Shaun consegue girar a arma e atirar no meio da boca do segundo enquanto sentia uma mordida na perna. Ele arranca o cão do seu corpo e ergue na altura do rosto.

"Um poodle, eu sabia que vocês eram obra do diabo" - Disse ele antes de amassar as costelas e atirar o poodle negro de volta aos seus companheiros de matilha. Shaun caminhou a passos largos na direção dos outros poodles que ainda estavam lá, dentes mais afiados que o normal, com olhos esbugalhados e vermelhos. Eles pareciam se preparar para vingar a morte de seus companheiros quando todos pararam o que faziam e correram. Shaun ficou intrigado mas prontamente correu para socorrer a moça. Os braços, pernas, pescoço e tórax tinham sido mordidos e machucados pelo bando de cães selvagens, a camiseta branca agora começava lentamente a ser pintada de vermelho.

"Hey, moça, consegue me ouvir? vai ficar tudo bem!" - disse ele antes de perceber que ela tinha acabado de desmaiar. Ele precisaria lavar e fazer curativos nela, e precisava ser urgente. Shaun retira sua mochila e pega o material de primeiros socorros quando é surpreendido com uma sombra, como se o ar em si tivesse ficado mais pesado. Ele se vira rapidamente e descarrega o resto do pente de balas da pistola apenas para ouvir o som dos vidros se estilhaçando e nada acontecendo com a criatura. Aquele ser parecia saído de um filme de alienígenas, não mostrava pernas e o que podia ser entendido como roupa parecia ser de material orgânico, a cabeça parecia ser feita apenas de um olho um pouco maior do de um humano e o tamanho da cabeça em si não era muito maior que o olho.

"Você..." - Disse a criatura num tom grave - "Não atrapalhe os planos dela."
"Foram vocês que... fizeram isso tudo?"
"Não se intrometa, nós deixamos você viver, eu sugiro que agarre essa oportunidade e suma daqui"
"Eu não vou deixar que você encoste nela seu... alienígena imundo!"
"Típico... Mas você não me diz o que eu vou ou não fazer"

A criatura avançou contra Shaun com velocidade acima da de um humano, e com um único golpe fez três cortes profundos no braço dele, jogando-o para o lado. Shaun se contorcia de dor, e foi vendo seu sangue que ouviu pela primeira vez ele.

'Achei que você fosse mais capaz' - Ouviu Shaun dentro da sua própria cabeça - 'Vai continuar aí parado?'
"Quem... Que? HEY, SAI DE PERTO DELA", Shaun grita enquanto corre e tenta desferir um soco que passa sem acertar seu alvo, só para tomar outro golpe, agora nas costas, que rasga o colete e corta direto a carne. 'HAHAHAHAHAHAHAHAHA', a voz interior ria desesperadamente 'Tente de novo, agora certamente você vai acertar'
"Quem diabos é você?" Disse Shaun com a cara no chão
'Eu sou você, uma parte pelo menos, sou o que você vai se tornar, a razão de você estar vivo, e o motivo pelo qual você vai vencer essa criatura. Eu posso lhe dar poder, e você vai aprender a utilizar ele. Desde que você prometa destruir cada um dessas criaturas, seus servos e seguidores, porque eu fui traído por eles, e tirado do meu lugar de direito, e pretendo reavê-lo'
"Porque você quer destruir eles?"
'Eu sou você e você quer destruir eles, tempo não é seu aliado, eu vou continuar aqui, mas aquela garota vai ser levada para um daqueles ovos, ou drenada até a morte, ou pior'
"O que eu tenho que fazer?"
'Tenha orgulho'

"Orgulho?" Shaun se levanta lentamente, enquanto a criatura olha com o único olho brilhante para ele
"Vai tentar ainda mais alguma estúpida, humano?"
"Você fala como se fosse um ser muito acima de nós. SERVO!"
"E sou, vocês são uma raça mesquinha e egoísta que buscam assumir a posição de Divindades! Vocês negam o poder sempre presente daqueles que sempre controlaram o universo"
"ERRADO! Os humanos têm algo que lhes é negado, a capacidade de rejeitar qualquer coisa, e de se tornar QUALQUER COISA! Inclusive aqueles que destruirão completamente o seu reinado ridículo."

Shaun vira-e lentamente, seus olhos brilhavam de forma estranha, a ferida no braço exalava uma nuvem fina de sangue que começava a modificar o corpo dele dando garras afiadas e músculos mais bem definidos.

"Não me diga que..."
"SIM, você vai morrer"

A criatura solta um grito enraivecido avançando contra Shaun que facilmente deflete o ataque e agarra a criatura.

"Diga ola pra ELA por mim." foram as últimas palavras de Shaun antes da criatura pegar fogo, contorcendo-se até virar nada além de cinzas.

Algo extraordinário tinha acontecido, isso era certo na mente do Aventureiro Shaun. Ele tinha a chance de salvar Londres daquele inferno e ele iria aproveitar, mas isso seria feito uma vida por vez, e nesse momento ele precisava cuidar daquela garota.

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